Gilberto M. A. Rodrigues – Ecos das intervenções americanas
Gilberto M. A. Rodrigues, professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas – CNPq, no Brasil.
A América Latina e o Caribe tem na sua história pós-independência um imprinting de intervenções americanas. A visita de Obama a Cuba e à Argentina tentou lidar com experiências traumáticas dos EUA com ambos os países, e que ainda constituem núcleos vivos do anti-imperialismo e do antiamericanismo não apenas dos discursos governamentais, mas dos programas de partidos, de estratégias diplomáticas e de teses e argumentos acadêmicos por toda a região.
Cuba tornou-se símbolo da resistência antiintervenção americana. Um símbolo de dignidade e de altivez, inspiradora de partidos e movimentos de esquerda na região. A Argentina criou a Doutrina Drago, anteparo jurídico das intervenções europeias contra Venezuela, no início do século 20, a grande contribuição ao Direito Internacional para o princípio da não-intervenção.
Coincidência ou não, Cuba e Argentina constituem as duas referências antiamericanas mais simbólicas da região: uma, pelo embate de décadas alimentado pelas relações cortadas e o embargo infame; outra, pelo maior grau de antiamericanismo da região, identificado por recentes avaliações do Latinobarômetro.
A visita de Obama tentou enfrentar essas duas resistências: primeiro com seu carisma próprio, descolado da imagem do próprio país, pois a imagem de Obama é altamente positiva, mesmo que a dos EUA seja negativa; segundo, com declarações tingidas de cores suaves, mas visíveis, para tratar de temas sensíveis da história de intervenções.
No caso da Argentina, o simbolismo do dia da visita, data dos 40 anos do golpe militar, evoca os ecos de uma intervenção que se perpetuou no apoio à brutal repressão e à Operação Condor, pelo menos até a chegada de Jimmy Carter à Casa Branca. Ainda que Obama não tenha feito pedido de desculpas formal, os gestos e promessas, inclusive de desclassificar arquivos do período, contribuem para um clima de mea culpa difusa, mas eficaz no momento em que uma janela de oportunidade de reaproximação de concretiza.
No caso da América do Sul, a visita à Argentina ganha peso próprio, dado o ambiente de animosidade contra os EUA na retórica governamental da maioria dos países, exceção feita ao Chile, à Colômbia, ao Paraguai e ao Brasil.
Não se pode olvidar, que a maior expectativa de Obama com uma reaproximação chave na América do Sul era com o governo de Dilma Roussef, expectativa malograda pelo próprio governo americano no caso da espionagem da NSA. Sem poder reaproximar-se do Brasil, Obama perdeu uma oportunidade de ouro de ocupar um espaço precioso de interlocução com o principal país do continente (segue ecoando a famosa frase de Kissinger – para aonde pender o Brasil, penderá a região).
Naturalmente, toda a habilidade e o carisma de Obama, de seus discursos aos seus passos de tango – não são suficientes para convencer a políticos, diplomatas e acadêmicos sul-americanos de que os EUA vão se manter sóbrios em suas atitudes não-intervencionistas.
Tanto a experiência condenável do apoio aos regimes militares na Guerra Fria – cuja memória ainda segue vívida – quanto as lições tiradas da Primavera Árabe, indicam muita cautela em como os EUA podem ajudar o Estado de Direito e os valores democráticos no hemisfério.
Não é apenas o uso de armas clássicas de dissuasão e convencimento que estão em jogo, mas toda a trama comunicacional e paradiplomática que não pode e não deve ser acionada e incentivada irresponsavelmente em apoio de supostos líderes e movimentos democráticos contra governos não aliados de Washington. Caso contrário, os ecos de intervenções passadas assumirão novas facetas de uma prática que não contribui para a maturidade e a evolução democráticas da região. E muito menos contribui para manter pontes sustentáveis de diálogo entre os EUA e a região.